“Já fui assediada várias vezes dentro do ônibus. O caso mais marcante foi quando um rapaz, que estava de short de malhar, ficou com o pênis ereto ao ‘ralar’ nas mulheres do meu lado. Quando ele se aproximou de mim, eu gritei. Ninguém fez nada e ele simplesmente desceu do ônibus e foi embora. Foi constrangedor. Se tivesse um apito como esse em mãos, eu sopraria e denunciaria”, disse a advogada Maria de Lourdes Dias, de 27 anos, ao aguardar a chegada do ônibus na plataforma da Estação São Gabriel, na Região Nordeste de BH. Na ocasião, ela não procurou a polícia por não acreditar que medidas seriam tomadas. Porém, desde ontem, apitos de plástico começaram a ser distribuídos às ageiras do transporte público com o intuito de ajudar essas vítimas a denunciar o crime. A partir do sinal de socorro emitido pela mulher, funcionários das empresas de transporte poderão acionar a Guarda Municipal por meio de um novo botão de pânico instalado nos ônibus. Não é a primeira vez que o apito se torna uma “arma” a favor da mulher: há duas semanas, artistas de São Paulo distribuíram o instrumento com o mesmo intuito e o movimento ganhou a hashtag #MexeuApitou. A Cidade do México também já entrou nessa onda, com a distribuição de 15 mil apitos em 2016 para estimular a denúncia. Mulheres e especialistas aprovam a nova ferramenta. 1f6j3r

A campanha da Guarda Municipal em parceria com a BHTrans e a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) faz parte do Plano Municipal de Enfrentamento à Violência contra a Mulher no Transporte Coletivo, cuja conclusão foi acelerada depois de uma agente da corporação de segurança ter sido vítima de assédio no metrô de BH, em meados do mês ado. Ontem, guardas femininas atuaram na Estação São Gabriel orientando as ageiras sobre como agir. “Hoje, iniciamos a campanha aqui, onde há uma grande concentração do público feminino e, consequentemente, há maior incidência de casos de assédio. Nos próximos dias, iniciaremos a ação no metrô”, explicou a guarda municipal Aline Oliveira dos Santos Silva. Ao todo, 2.098 ônibus da capital e região metropolitana estão equipados com o botão do pânico, acionado atualmente em casos de depredação e assalto, e cujo uso foi adaptado para os casos de assédio.

“Achei a iniciativa muito interessante. Infelizmente, o assédio é muito comum e temos muito medo. Outro dia a minha irmã estava no ônibus e sentiu um homem se movimentando. Ela foi se afastando, mas não teve coragem de olhar. Quando percebeu, o homem já estava com o órgão pra fora, ejaculando. Ele saiu correndo e ela ficou em choque”, contou a cientista de dados Aline Bittencourt, de 32. Casos como o dela são comuns, tanto que, nos últimos dois anos, aumentou em 44,8% o número de queixas de atos contra a dignidade sexual em ônibus em Minas Gerais, segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp). Embora esse tipo de importunação seja extremamente subnotificado, as ocorrências registradas em ônibus até setembro deste ano já superaram em 21,7% o número de queixas de todo o ano ado. Em 2016, foram registradas 64 infrações em todo o estado em ônibus e micro-ônibus, trem e metrô. No ano ado, foram 71. Este ano, apenas nos primeiros nove meses, houve 88 ocorrências. Em BH, em 2017, a Guarda Municipal registrou seis delitos e, em 2018, um até agora, em um ponto de ônibus.

RISCO

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O professor do Departamento de Saúde Mental da UFMG Frederico Garcia avalia a campanha como positiva. “Existe o agressor que tem como prazer surpreender a vítima. Nesse caso, os apitos serão muito bons, pois vão quebrar essa ‘surpresa’ no sentido de a mulher poder anular essa atitude. Estudos nos Estados Unidos mostram que 85% dos agressores sexuais interrompem a agressão quando são surpreendidos pelo apito. Gritar, fazer barulho e responder é sempre melhor do que ficar calada”, comentou. “O apito é uma ótima novidade, mas a educação é o mais importante para mostrar que essas situações não são normais, temos que eliminar essa cultura machista”, completou Frederico.  Já o coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Segurança Pública da PUC-Minas, Luís Flávio Sapori, pondera: “Ainda tenho dúvidas da operacionalidade e da eficiência do botão no ônibus. Entretanto, é uma tentativa válida”. Ele levanta a preocupação de como o autor do abuso se manterá no mesmo ambiente da vítima e dos outros ageiros. “Temos que ficar atentos para que injustiças não sejam cometidas e linchamentos praticados”, disse.